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Casa Triângulo tem o prazer de apresentar Outras Simetrias, a terceira exposição individual de Juliana Cerqueira Leite na galeria, com texto crítico de Bianca Dias.
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Other Symmetries: Body and Gesture in the Vertigo of Representation
I wrote the image that was the scar of another image.
Herberto Helder
Juliana Cerqueira Leite’s work is fundamentally based on sculpture. And it is sculptural thinking, under tension and in various densities, that presents itself in Outras Simetrias, an exhibition that features essentially sculptures and drawings. In these works, gesturality flows beyond the conventional circuits and meanings typically assigned to it; it is inserted in unsuspected places, articulated with other forms of knowing and doing, calling into question categories that are typically used to frame the body as something stagnant and fixed. Here, the body is in a dizzy state and haunted with phantasmagoria, defying any asepsis that would dictate its presence. The focal point of the artist’s relationship with sculpture lies in her encouraging instability, creating cuts and juxtapositions that invoke other presences and architectures to redefine spaces. For their part, her drawings operate by revealing something latent, which can arise in the gestural act of their making itself and in the dimension of emergent appearance.
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Using her own body, the artist created two casts with plastered gauze, each mirroring the other in the same pose. The molds, cut in half vertically along the sagittal axis, where the body is mirrored from one side to the other, are fused perpendicularly. The artist throws herself into the work, and then re-throws herself into it, to generate bodies that create other mirrorings, thus breaking preexisting logics. Another scene, which subverts the dimension of classical sculpture, involves combinations that reveal her sculptures as poems that generate spatial asymmetries. The enigmatic presence of bodies and language gives rise to works that resemble carcasses, cocoons, figures that, in constant mutation, exist somewhere between the human and the animal, like images that move in dreams, in the sky, or in poetic hallucination. They are abstract impressions, nebulous forms in a process of dissolving, lending the representation an aspect that is simultaneously delirious, plural, and nomadic.
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Outras Simetrias 03, 2024
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A experiência de outra relação com o espelhamento, central para a artista, tem um caráter primordial na teoria psicanalítica. Na metáfora “estádio do espelho”, Jacques Lacan promove uma perpétua intercambialidade entre objeto e sujeito, problematizando nosso lugar no mundo. Se há, para ele, um momento decisivo em que a criança reconhece sua imagem no espelho, neste reconhecimento há também uma instabilidade que se coloca em jogo. Lacan trabalha aqui a ideia da constituição subjetiva como tributária, retomando a afirmação de Freud: “o eu não é mais senhor em sua própria casa”. É neste ponto que as coordenadas espaciais se rompem, acabam por se abrir e a nos incorporar. É o que Juliana revela em seus gestos de reconstrução, colagem e justaposição de elementos do corpo, dando a ver o vazio fundamental e a não-coincidência que nos é constitutiva, um espelhamento que não revela o mesmo, mas sempre um outro de si, o eu que é um outro.
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Outras Simetrias 04, 2024
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Outras Simetrias 05, 2024
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Nos deslocamentos propostos nas obras – e na presença do próprio corpo da artista – encontramos um fino diálogo com questões propostas por Donna Haraway, filósofa e zoóloga pesquisadora das novas faces das tecnologias do corpo que provocam profundos impactos como, por exemplo, a cisão tradicional entre corpo e mente. Juliana tateia também o organismo híbrido humano e máquina, confundindo as fronteiras entre o orgânico e o inorgânico, situando o corpo em uma vertiginosa experiência que abarca o pós-gênero e as formas heteróclitas e diversas do corpo no contemporâneo.
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Outras Simetrias 06, 2024
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Nos movimentos de autodefesa gerados por uma bailarina e atriz, transformados em esculturas, revela-se esse disparate que é o corpo. Diante de 48 câmeras, Meredith Glisson reproduziu cinco reações humanas, instintivas a ameaças existenciais, descritas pela etologia como fugir, lutar, congelar, assustar e implorar por piedade. Seus gestos foram transformados em um esqueleto – um wireframe – de movimentos filmados a 60 frames por segundo, sobre o qual foi sobreposta uma pele digital, vendida como “fêmea básica” no mundo de objetos digitais. As esculturas criadas pela artista revelam um segundo de movimento.
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Outras Simetrias 02, 2024
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Em Escute as feras, Nastassja Martin revela que, diante do susto e do medo, algo nos antecede. Em seu livro, a antropóloga francesa relata seu impressionante confronto com um urso na floresta siberiana. No atordoante encontro, quando foi violentamente atacada, teve o corpo retalhado, dividido em dois e reassimilado em nova forma: lá está a dilaceração, a pele que se rasga, o rosto desfigurado, garras e dentes do urso com o qual lutara. Tudo ali é híbrido. Um espelhamento que, assim como o proposto pela artista, é fundamental para a superação da concepção dualista com a qual estamos acostumados. A antropóloga sobreviveu e, em seu corpo, incorporou algo do urso. Ela escreve sobre a experiência abissal de se abrir à alteridade em sua radicalidade máxima: “Não existem mais absurdos, estranhezas, coincidências fortuitas. Existem apenas ressonâncias”. Este é, também, o vertiginoso exercício apresentado nestas Outras Simetrias.
Bianca Coutinho Dias
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