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Casa Triângulo tem o prazer de apresentar a primeira exposição individual de Matías Duville na galeria, com texto crítico de Jacopo Crivelli Visconti.
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O corpo da mulher (ou talvez seja um homem, o próprio Matias Duville não sabe dizer) que, sentada sobre as montanhas, observa a esparsa procissão de barcos que se aproximam dela, é “atravessado pela paisagem”[1]. As figuras humanas são quase completamente ausentes do universo do artista argentino, e é significativo que quando aparecem, como em Ciencia Folk (2024), elas estejam “em outro plano, não exatamente lá”. O aspecto mais curioso dessa ausência é que na maioria das obras de Duville, sejam elas pinturas, desenhos ou instalações, a paisagem é deserta, mas os rastos da passagem e da ação humana estão por todas parte: árvores cortadas, objetos em desuso, arquiteturas obsolescentes, tudo indica que alguém esteve lá e participou ativamente da construção do cenário que agora podemos observar. O lugar do artista também é o de alguém que acabou de chegar, que observa as coisas e as descreve. A primeira impressão, ao se deparar com essas paisagens, é que o artista está representando, com o objetivo de criar uma crítica contundente e ineludível a partir de uma perspectiva ecológica, um mundo pós-apocalíptico, em que as piores previsões (todas elas, diga-se de passagem, a cada dia mais plausíveis) se tornaram realidade. Mas a relação do próprio artista com o universo que, há quase trinta anos, vem representando, é mais complexa, e certamente “não se reduz à vontade de representar o que está acontecendo com o planeta”.
[1] Todas as frases entre aspas são do artista, extraídas de conversas com o autor.
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Quando começa um novo trabalho, o artista raramente realiza estudos ou esboços preparatórios. O mais comum é partir de uma ideia, de um mote quase narrativo, ou literário até, “uma ponte que se derrete, uma onda congelada, um clima ao mesmo tempo frio e tropical...”. A partir disso, a cena vai surgindo sem que seu autor saiba exatamente como ou tenha um controle total sobre o que acontece. Se, no caso das instalações, a presença de materiais como o ferro ou o asfalto traz uma familiaridade que a obra precisa subverter, nas obras bidimensionais o observador fica completamente imerso nesse universo paralelo. Tudo é profundamente distinto do que conhecemos, e ao mesmo tempo intimamente familiar. Até o artista se pergunta, às vezes, “onde será que é isso? Eu gosto de não me reconhecer, de não saber quem fez isso. Quando tento planejar o que vou fazer, geralmente acabo não gostando do resultado”. Apesar de ter desenvolvido, ao longo dos anos, métodos e estratégias de trabalho, como introduzir “um montinho de pedras, umas árvores” ou outros elementos que o ajudem a “avançar sobre o terreno”, o artista se mantém numa posição indefinida, de alguém que consegue ser ao mesmo tempo criador e observador: “estou explorando esse ambiente junto com o observador, não tenho um controle sobre ele”. A ideia de uma exploração conjunta de um território desconhecido nos afasta mais ainda da visão reducionista do trabalho como uma crítica aos efeitos do antropoceno. Pelo contrário, a sensação é que não haja um juízo de valor unívoco: eventos catastróficos para uma civilização ou um ecossistema específicos podem não ter a menor relevância ou ser até benéficos para inúmeros outros. Estamos apenas começando a explorar o universo peculiar de Matias Duville, ainda não dá para sabermos o que é bom e o que não é, o que se desenrolou como poderíamos desejar e o que seguiu outras lógicas, a partir de decisões e arbítrios sobre os quais não temos controle algum. Por enquanto, observamos. Pode ser que em algum momento as coisas fiquem mais claras, mas também pode ser que não.
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