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O tempo era como este. A vida era como a de agora. Quando no mar tudo acabou.
Lá nas galáxias subaquáticas das profundezas dos oceanos, onde a humanidade nunca havia existido, continuou a vida após sermos cobertos e vingados pelas águas. Dos seres sobreviventes, uma nova flora e fauna se desenvolveu. Pessoas desapareceram de vez e paisagens passaram a continuamente se reconstruir. Por conta do vento, das correntes marítimas e dos tremores da terra, a transformação tornou-se a única constante. E por meio de uma dobra no tempo, esta história nunca mais cessou de repetir.
Como foi premeditado pelos trabalhos de Fernanda Galvão, os lugares perderam seus nomes. A única forma possível de compreender o novo universo era traçar relações entre atmosferas e características climáticas de diferentes espaços.
Havia ambientes submersos pelo mar, gélidos e em tons de azul, que eram mais ou menos turvos a depender do movimento das correntes ou de criaturas habitantes. Estes ambientes às vezes contrastavam com lugares de mata aberta, em que plantas reagiam ao vento e a terremotos. Outras vezes combinavam-se, tornando-se matas submersas.
Havia também interações entre ar e areia, com todo o imprevisível efeito que uma ventania pode ter sobre dunas em um deserto. Naqueles casos, relações entre plantas se destacavam em meio a um ambiente arenoso de quase nenhuma visibilidade. Ou, ainda, uma tempestade de areia se deslocava do solo, direcionando-se ao céu, tornando-se o mais próximo possível da representação do vento.
As pinturas de Fernanda Galvão são os únicos registros desse universo em transformação. A artista age como o personagem George Orr, do romance A Curva do Sonho de Ursula K. Le Guin, que tinha o poder de, ao sonhar, alterar o passado, presente e futuro. No caso da artista, no entanto, as transformações já não mais são provocadas pela vida humana ou alienígena, mas por dinâmicas de interação entre outros seres vivos. A humanidade morreu no mar e a vida continuou na Terra.
"As colinas murmuravam e sonhavam em cair no mar" é uma frase desse mesmo romance de Le Guin. Do momento em que um sonho de Orr está provocando uma invasão alienígena no planeta Terra. Aqui, ela é uma frase que corresponde a um momento em que a natureza foi personificada ao passo que se livrou das pessoas. Em que as colinas conversavam em segredo e sonhavam em cair no mar. Logo após, tudo de fato caiu.
Luana Fortes
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