Joana Vasconcelos: Casarão: Casa Triângulo, São Paulo, Brasil
A exposição Casarão marca o regresso de Joana Vasconcelos à Casa Triângulo, uma década depois de sua última exposição na galeria e após o êxito recente de sua participação na Bienal de Veneza. A mais jovem artista e a primeira mulher a expor no Palácio de Versalhes volta ao Brasil, seis anos depois de Contaminação, a monumental intervenção que apresentou na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Casarão propõe a invasão do espaço da galeria por um conjunto de animais em faiança, desenhados por um dos mais destacados artistas portugueses do séc. XIX, Rafael Bordalo Pinheiro (1846–1905). Joana Vasconcelos apropria-se de alguns animais do vasto bestiário bordaliano e apresenta-os ambiguamente protegidos, ou aprisionados/domesticados, por uma sensual malha em crochê.
Peças de banheiro compõem as obras Medusa e Água Viva. A primeira apresenta-se sob a forma de um pequeno lavatório por onde passam e atravessam extensões de inusitados volumes em crochê. Água Viva exibe dois chuveiros instalados na parede, ligados entre si por festivas mangas têxteis, suspensas como se escapassem por onde normalmente veríamos cair água. São talvez as entranhas da arquitetura ou as vísceras de nossa intimidade doméstica, metamorfoseadas em têxteis desafiadores da ordem racional do espaço arquitetônico.
Três caixas – Catuaba, Delícia, e Cravo e Canela – revestidas em azulejo, encontram-se dispostas na parede, à altura do nosso olhar, tal como pinturas que outrora se assumiam como janelas abertas ao mundo. De seu interior, irrompem volumes têxteis abstratos; formas não reconhecíveis cujos materiais, texturas e técnicas, no entanto, identificamos.
Sarabande desafia os limites entre pintura e escultura, corpo e paisagem, o figurativo e o abstrato. Através de uma exuberante moldura, de inspiração barroca, escapam coloridas formas em crochê que insinuam uma topografia acidentada ou os corpos volumosos de um inusitado universo burlesco de sentido doméstico.
O popular jogo eletrônico Tetris dá nome à série na qual a obra Aquarela se inscreve. Os volumes revestidos em azulejo, em formato de paralelepípedo, são atravessados e serpenteados por tubos e protuberâncias em crochê e tecidos variados. A rigidez da cerâmica é invadida por formas orgânicas têxteis maleáveis, num feliz encontro de opostos unidos pela cor.
Joana Vasconcelos convoca e cruza as aparentes singularidades de diferentes culturas populares, conferindo-lhes alcance universal. Casarão – título retirado da segunda novela brasileira transmitida em Portugal, nos anos 1970, na qual brilharam dois atores portugueses – oferece-nos o doméstico como espaço de encontro e confronto entre o privado e o público, masculino e feminino, artesanal e industrial, cultura popular e cultura erudita. Joana Vasconcelos é a anfitriã que nos recebe neste seu lugar tão familiar, mas ironicamente desafiador, de todas as rotinas programadas do cotidiano.