Tony Camargo: Num Logo Lugar: Casa Triângulo, São Paulo, Brasil
Perceber todos os espaços
O trabalho de Tony Camargo sempre envolveu a construção de aparelhos que de alguma maneira desvendam o funcionamento do mundo, apreendendo descobertas de real em espaços determinados, entre linhas e planos, e conferin- do aos objetos uma imprevista vocação expressiva. A probabilidade invisível de bolas correrem numa sinuca, um alvo de dardos que se rebela em seus atributos se tornando maciço e impenetrável também no seu reflexo opaco, a transformação irônica de logotipos publicitários, depravando seu pudor imagético característico.
Ao desbravar o interior das coisas o artista modula uma paisagem onde se respira a mágica da transfiguração das coisas reais em pura visualidade. O encontro de Tony com a arte é um encontro de atmosferas intangíveis com o peso dos objetos. Poderíamos dizer que seu trabalho é o de um artista conceitual, enquanto cientista do conceito, que descobre a cada realização outras dependências da matéria. Interessa para Tony Camargo o efeito de todas as coisas diante de nossos olhos quando suas funções originariamente atribuídas estão suspensas.
Projetar o mundo
Como construir abrigos físicos para ideias? Como tornar matérias invisíveis em algo palpável, sem se restringir à representação, mantendo complexas dinâmicas espaciais e temporais? O trabalho de Tony Camargo nos mostra o quan- to ainda somos primitivos, mesmo em nossos mais avançados processos tecnológicos. Os poucos elementos formais que temos à disposição são combinados infinitas vezes por projetistas, produzindo todas as coisas de nossa paisagem mundana.
Olhe ao redor: círculos ovais em maçanetas e sistemas de portas, quadrados, retângulos e seus derivados trian- gulares em edifícios, distâncias formadas por linhas nas ruas e sinalização viária do urbanismo além de tantas outras for- mas que estruturam nossa sociedade, seus gestos e comportamentos. No jogo da arte, observando apenas a sua utilização Koons (Moon, 1995-2000), passando por Yayoi Kusama (Narcissus Garden, 1966-) dentre tantos outros.
Dançar com Diabos
As suas linhas, planos e formas ovaladas ou arcos podem lembrar tanto a mais clássica das arquiteturas quanto a mais recente ficção cinematográfica. Mesmo os seus vazios aparentes possuem massa, assim como a astrofísica tem re- velado sobre o que se acreditava ser um grande vazio na verdade também possui massa, se configuram matéria e energia (escuras). Em sua memória primitiva o artista se fascina pela instabilidade da cor. Como se estivesse diante de labaredas que consomem o invisível. Ele sabe que o domínio dessa energia cósmica forja a nossa visualidade. Color field paintings: Mark Rothko e Barnett Newman. Campos emocionais da cor: Joseph Albers e Alfredo Volpi.
É como se depois de anos desvendando o funcionamento das imagens, Tony se propusesse a reproduzir uma energética a partir da apreensão da cor em campos delimitados, neste caso a pintura em sua esfera planar. Os azuis vibram em seus círculos e forçam bordas. Um cinza em coerção o faz girar sobre outro azul-chumbo. Em seu limite bordeja. É um azul-ventania. Mais adiante outros cinzas. Dessa vez separam-se. A presença incandescente do vermelho abrasa tudo ao redor. Como um cinza pode esquentar? Um cinza-asfalto.
Entre a lança e o abismo
O áspero do mundo violenta diariamente. Nada pode ser tão límpido quanto numa propaganda de margarina ou numa conta de Instagram. Há sempre algo nocivo, que vilaniza, polui e incomoda: o poderoso quebranto de realidade, que nos diferencia da insipidez imagética onde não existem cheiros ou sujeiras.
O artista assim nos convida para um abismo de projeções. Como em Tunga, a partir de uma plasticidade complexa que proporciona o seu livre jogo de associações, a articulação dos materiais também é uma articulação simbólica. O seu verde não é apenas o verde de uma composição, mas também o verde da bandeira do Brasil, criando uma textura emocio- nal para o que vemos. O seu vermelho é intensidade, mas também fumaça, fogo, extintor.
O artista procura sempre um fenômeno pictórico da existência. Nele podemos encontrar tanto um vazio tátil, pu- ras sensações visuais de realidade, quanto uma plenitude sideral, cenas límpidas suspensas pelo espaço. Entre uma coisa e outra, a atmosfera conquistada por cada um de seus trabalhos mantém um corpo que vibra sem cessar.
Arthur do Carmo