Ivan Grilo: Amanhã, Logo à Primeira Luz: Casa Triângulo, São Paulo, Brasil
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(dentre tantas forças inspiradoras, se esqueceu de mencionar a de Mário de Andrade).
[...] A respeito de: duas folhas de papel pautadas com linhas vermelhas, como papel almaço, na qual derramou, sobre uma delas, as lágrimas de uma longa trajetória de investigação pessoal e profissional; do livro Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronisław Malinowski, que lhe parecia interessante por colocar em prática a observação participante; do céu, que lhe faziam lembrar das estrelas da bandeira, símbolos nacionais, que não conseguia largar na investigação, de classes de portões, entre uma fase de sua vida mais bruta, onde as estrelas jaziam perfuradas em sua mente; a respeito da terra protegida, no leste meridional, na transição de um rio, em um território extremamente peculiar onde confluem quilombo, terra indígena e comunidade de pescadores - que juntos realizam, uma vez ao ano, a festa quilombola indígena caiçara mais notória da nossa pátria - por realçar dentro dele uma posição clara do turista, demarcando até onde ele poderia recontar essas histórias em seus tratados etnográficos, assim como à placa governamental de mesmo nome terra protegida, embreada em meio do mato, para a demarcação de terra indígena - que era cruzada pela faixa do regente e, portanto, era protegida por ele até quando ele quisesse -; com relação às fotografias, depositadas no centro cultural suntuoso da região meridional, do conflito armado que envolveu os militares de Bruzundanga e os integrantes da comunidade marginal sócio-religiosa liderada por Conselheiro; no tocante ao gigante vermelho, mastodôntico alicate de cortar cercados, que fazia referência àqueles que não dispõem de terra - parcela da população daquela pátria que é discriminada -, que para ele eram sui generis dada a sua proximidade com a terra e os mais recentes dados sobre seu labor (publicado nos anais de produção de Bruzundanga conferem àqueles que não detém terras, reunidos sob um nome único daqueles sem terra, representam os maiores produtores de arroz orgânico da região do hemisfério ocidental do planeta com a marca étnico-geográfica de línguas provenientes do latim); sobre o machismo e sua intenção de abrir uma vereda em sua prática etnográfica a um lugar de diálogo com diversas figuras femininas. Essa última, levou-o a pensar que poderia encontrar um espaço nobre para que se pudessem levantar questões que seriam ativadas por distintas mulheres. Como uma espécie de espaço para que o homem pudesse ouvir.
[...] Precisamente enquanto cruzava a porta da berlinda refletiu sobre seus sentimentos políticos: sobre a ambiguidade dessa linguagem, a análise em profundidade da criatura venerada em relação à venerante, das posturas de frieza e amabilidade de ambas partes, pela dúvida de experiência que cada uma das partes tinha em relação às angústias e esperanças da relação, sobre a existência de franqueza, a respeito da quantidade de quefazeres que existiam interpostas entre o dinheiro e a docilidade, no tocante às inspirações de piedade e os terríveis atos egoístas, assim como à lealdade de ambas
por todos aqueles que tecem o vento: fantasmas velados.
[...] Em suma, os pensamentos duraram aproximadamente quarenta e um segundos e cinquenta e seis milésimos e, condensadamente, giraram em torno à falta de ênfase que, porventura, poderia haver sido feita por ele aos temas à continuação: dualidade nativo-turista (acentuada pelo tempo passado com aquele ou aquela cultura que estava sendo estudada por ele, mesmo que, esse tempo, segundo sua própria visão etnográfica, dependia de certas condições por sua relatividade, mesmo que existisse um mínimo a ser adotado, constituído de meia dúzia de semanas; assim como a natureza de sua posição social e particular pigmentação pela quantidade diminuta de melanina em sua pele); folclore e lendas (acreditava ter mencionado de forma um tanto superficial os nomes de Chico Rei, João-galafoice, José de Belchior, Proteu, Rey D. Sebastián); política (os diversos comentários políticos aludiam a uma realidade não tão distante àquela que o circundava); etnografia (a natureza de seu trabalho já que se utilizava de um conjunto de técnicas para coletar múltiplos dados sobre os valores, crenças, hábitos, comportamento social, em suma, os traços que definem um grupo social em concreto); oralidade (assumia um aspecto revelador pois vários fragmentos de seu discurso proviam de extratos, precisamente transferidos palavra a palavra, de conversas que havia mantido no período de sua pesquisa); coloquialismo (se utilizava, por vezes, da maneira informal com que grupos sociais específicos se utilizavam para articular-se verbalmente); machismo (sobre seu esforço em extinguir esse mal em um trabalho, mencionado por Audre Lorde, em As ferramentas do mestre nunca vão desmantelar a casa- grande, aludindo a Simone de Beauvoir, de conhecer as condições genuínas de nossas vidas que devemos tirar nossa força para viver e nossas razões para agir); narratividade (por ter todas as suas faculdades concentradas na tarefa de apresentar fatos reais ou fictícios pela utilização de signos verbais e não verbais com o fim de relatar ou aludir a uma sequência entendia por alguns como lógica); autobiografia (já que sua investigação estava pintalgada aqui e ali de dados pessoais que eram ou não de conhecimento público); poeticidade (por ativar a desmesurada densidade em signos verbais e não verbais na plenitude da linguagem); espaço diegético (realçando o mundo ficcional em contraste com aquele mimético); autoficção (por todas as camadas espectrais geometricamente luminosas ficcionais relativas às características próprias de uma pessoa e os simulacros para referida construção); ilusão de referência (pela percepção mental errônea de alusão devido à ambivalência existente nos dados apresentados por seus estudos etnográficos); hibridez (não sabia ao certo até que ponto aquele discurso era seu ou de um outro indivíduo que havia encontrado no caminho de suas investigações); fuga (como seu discurso está composto de pelo menos duas vozes que conversam em contraponto e se repetem frequentemente no decorrer do tempo); especialmente a egéria (dentre tantas forças inspiradoras, se esqueceu de mencionar a de Mário de Andrade).
[...] A respeito de: duas folhas de papel pautadas com linhas vermelhas, como papel almaço, na qual derramou, sobre uma delas, as lágrimas de uma longa trajetória de investigação pessoal e profissional; do livro Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronisław Malinowski, que lhe parecia interessante por colocar em prática a observação participante; do céu, que lhe faziam lembrar das estrelas da bandeira, símbolos nacionais, que não conseguia largar na investigação, de classes de portões, entre uma fase de sua vida mais bruta, onde as estrelas jaziam perfuradas em sua mente; a respeito da terra protegida, no leste meridional, na transição de um rio, em um território extremamente peculiar onde confluem quilombo, terra indígena e comunidade de pescadores - que juntos realizam, uma vez ao ano, a festa quilombola indígena caiçara mais notória da nossa pátria - por realçar dentro dele uma posição clara do turista, demarcando até onde ele poderia recontar essas histórias em seus tratados etnográficos, assim como à placa governamental de mesmo nome terra protegida, embreada em meio do mato, para a demarcação de terra indígena - que era cruzada pela faixa do regente e, portanto, era protegida por ele até quando ele quisesse -; com relação às fotografias, depositadas no centro cultural suntuoso da região meridional, do conflito armado que envolveu os militares de Bruzundanga e os integrantes da comunidade marginal sócio-religiosa liderada por Conselheiro; no tocante ao gigante vermelho, mastodôntico alicate de cortar cercados, que fazia referência àqueles que não dispõem de terra - parcela da população daquela pátria que é discriminada -, que para ele eram sui generis dada a sua proximidade com a terra e os mais recentes dados sobre seu labor (publicado nos anais de produção de Bruzundanga conferem àqueles que não detém terras, reunidos sob um nome único daqueles sem terra, representam os maiores produtores de arroz orgânico da região do hemisfério ocidental do planeta com a marca étnico-geográfica de línguas provenientes do latim); sobre o machismo e sua intenção de abrir uma vereda em sua prática etnográfica a um lugar de diálogo com diversas figuras femininas. Essa última, levou-o a pensar que poderia encontrar um espaço nobre para que se pudessem levantar questões que seriam ativadas por distintas mulheres. Como uma espécie de espaço para que o homem pudesse ouvir.
[...] Precisamente enquanto cruzava a porta da berlinda refletiu sobre seus sentimentos políticos: sobre a ambiguidade dessa linguagem, a análise em profundidade da criatura venerada em relação à venerante, das posturas de frieza e amabilidade de ambas partes, pela dúvida de experiência que cada uma das partes tinha em relação às angústias e esperanças da relação, sobre a existência de franqueza, a respeito da quantidade de quefazeres que existiam interpostas entre o dinheiro e a docilidade, no tocante às inspirações de piedade e os terríveis atos egoístas, assim como à lealdade de ambas partes, sobre como as partes poderiam se articular de maneira peremptória mesmo sem apoio de provas, acerca de como as desconfianças emergiam desse nexo, como, dependendo da personalidade em questão, poderiam ou não apaziguar suas dores internas; como se julgava verdadeiro o que é temido, sobre como a crueldade para consigo mesmo teria uma inclinação particular por uma pessoa em prol de outra; em como nos convertemos em indiferentes as vicissitudes da vida, apáticos aos seus dramas, tornando- nos banais, contingentes e mortais; em suma, como tudo aquilo poderia, concomitantemente, tratar-se de amor.
Tiago de Abreu Pinto