MEU QUINTAL É MAIOR QUER O MUNDO

Apresentação

Meu quintal é maior que o mundo

 

Com trabalhos de Albano Afonso, Amorí, Ana Paula Sirino, Andy Villela, David Almeida, Diego Mouro, Eduardo Berliner, Heitor Dos Prazeres, Fernanda Galvão, Leticia Lopes, Lucas Simões, Luiza Gottschalk, Marina Hachem, Mauricio Adinolfi, Mauricio Parra, Mauro Restiffe, Paula Scavazzini, Rafael Chavez, Sandra Cinto, Vânia Mignone, Yohana Oizumi, Zé Carlos Garcia e Zé Tepedino.

A palavra quintal evoca a ideia de algo diminuto. Um espaço cristalizado na memória da moradia brasileira, próprio da nossa cultura, apesar de sua longínqua gênese romana. Essa pequena parcela de terreno, muitas vezes aliada à presença de um jardim ou horta, tornou-se parte essencial das mais variadas residências, fruto da adaptação da moradia rural e da atividade agrícola. 

 

Limiar entre o público e o privado, entre o interior e o exterior, entre o rural e o urbano, o quintal é muito mais que um espaço físico. Esse pequeno território entre a morada e o mundo é uma potente imagem do cotidiano e de suas coisas mais ordinárias. É no quintal que germinam nossos sonhos, onde brotam as pequenas iniciativas, onde as mais variadas atividades rompem com a rigidez do dia a dia. 

Seu maior encanto é ser, ao mesmo tempo, refúgio e abertura: um avesso da rua que, mesmo protegido dos olhos alheios, é um espaço de entrega a céu aberto. É nele que pés e mãos se conectam com o chão de terra batida, e onde sol, chuva e vento tocam a pele sem mediação. O quintal, ponto de encontro entre o terreno e o etéreo, é o lugar onde segredos e pedidos são cochichados às estrelas, e onde os cenários futuros mais inusitados ganham forma em nossas mentes.

Tal qual um gabinete de curiosidades, o quintal resulta de um apanhado de memórias. Nele habitam as quinquilharias, onde a bicicleta cúmplice de aventuras convive com as bacias de quarar as roupas, e as peças íntimas dispostas no varal dialogam silenciosamente com as hortaliças e floreiras. Entre os objetos guardados, acumulando poeira e afeto, e as evidências de momentos singelos, o quintal transforma-se no local da contemplação e da dilatação do tempo. Por sua vocação e arranjo, ele nos convida a nos demorar diante do que é ínfimo ou trivial.

A mostra “Meu quintal é maior que o mundo” faz referência a um verso de Manoel de Barros, publicado no poema “O Apanhador de Desperdícios". Em uma época na qual os olhos raramente se detêm no entorno, o escritor nos convida a suspender a marcha e a nos debruçar sobre o que parece insignificante. Para edificar seu quintal, Barros elege cuidadosamente cada tartaruga, pedra e inseto, criando um lugar onde convivem imaginação, memória e realidade.

A operação poética de Barros estabelece afinidades profundas entre a prática do ateliê e o cultivo do quintal. No quintal que cada artista conforma, o tempo insurge-se contra a urgência que devora os dias. Com frequência, o artista acolhe o que permanece à margem e confere protagonismo a seres e coisas inesperadas.

A exposição coletiva apresentada agora na Casa Triângulo explora o quintal como objeto e conceito e reúne artistas de diferentes gerações. Seu propósito é exibir distintas acepções de quintal por intermédio de quatro núcleos principais de obras.

Por meio desse conjunto de trabalhos, a mostra revela o quintal como um território onde o banal encontra o sublime, onde o presente dialoga com memórias e possibilidades futuras. Aqui, as miudezas ganham voz, e o tempo parece dobrar-se sobre si mesmo. Na convivência entre o íntimo e o coletivo, os quintais desses artistas transmutam a matéria do mundo, abrindo frestas que nos permitem vislumbrar o extraordinário naquilo que até então era invisível.

Priscyla Gomes
curadora