MARINA HACHEM . ENTRE RAÍZES E RUÍNAS
Casa Triângulo tem o prazer de apresentar a primeira exposição individual de Marina Hachem na galeria, com texto crítico de Victor Gorgulho.
Tudo aquilo que nasce é também tudo aquilo que morrerá. É, a princípio, o que parece nos sussurrar o conjunto de obras inéditas apresentadas pela artista Marina Hachem (São Paulo, 1993). Através de uma prática artística que transcende o plano bidimensional, as obras revelam uma verdadeira vocação – e desejo – escultórico.
À primeira vista, talvez seja a curiosidade pela dimensão formal o primeiro aspecto a nos atrair pelos trabalhos de Marina Hachem. Através de um peculiar processo que parte do plano pictórico – liso, ainda nu e virgem de significados – Hachem conjuga o uso de materiais a princípio díspares, ou pouco familiares entre si, de modo a torná-los quase que alquimicamente pares, matérias perfeitamente casadas.
O engenhoso processo da artista parte da utilização de um maquinário próprio da marcenaria para reforçar o que, acima, chamamos de uma inequívoca e evidente dimensão escultórica destes trabalhos. Através do corte e da manipulação de superfícies de madeira – de modo similar a um método de desenho sobre este material – a artista esculpe formas que remetem a uma miríade sem fim de imagens próprias de seu imaginário ou advindas de referências fotográficas e de outras fontes.
Em um segundo estágio, há o papel incontornável do fogo. É através da queima destes relevos espaciais esculpidos em madeira que a artista atinge os robustos tons de preto que, em seguida, são banhados por materiais pouco convencionais como graxa e cera, responsáveis pela polidez do acabamento com que os tons escuros de suas obras fazem saltar os olhos daqueles que as observam.
Por fim, entre a superfície entrecortada das formas destes trabalhos, é aplicada uma camada de graute, um tipo específico de concreto comumente utilizado na construção civil. Como em todo o transcorrer de seu fazer artístico, aqui a artista empreende a complexa tarefa de destituir o material de seu aspecto primariamente bruto, fazendo um frutífero uso dos distintos tons de cinza revelados pelo concreto para que estes ganhem aspectos visualmente um tanto mais poéticos – estamos diante da superfície da Lua?
É neste momento que, nós, visitantes desta espécie de sítio arqueológico do futuro criado no espaço expositivo em que nos encontramos situados, deixamos de nos ater aos aspectos formais de seus trabalhos. Se em um primeiro instante, nosso fascínio é capturado pela virtuosa capacidade de Hachem de mesclar materiais de origens distintas e chegar em um resultado tão plasticamente refinado, passamos a nos entregar, então, apenas ao deleite da apreciação metafísica/metafórica de tudo aquilo que está a nos cercar, na presente exposição.
É a dimensão poética do olhar de cada um que será capaz de ver, em formas radicalmente distintas entre si, raízes ou ruínas, formas orgânicas ou arquitetônicas, leitos de rio e também caminhos abstratos nas obras que preenchem as paredes do espaço expositivo.
O que antes apresentava-se como um sussurro parece, em um momento avançado, ganhar considerável volume, similar àquele presente no desejo das formas bidimensionais de ganharem o espaço real em que estamos a pousar nossos pés e o peso de nossos corpos.
É o que revelam, por exemplo, as três esculturas situadas para além das paredes, criaturas fugitivas das superfícies lisas e brancas do território que nos circunda. Feito rochas, repousam sobre o espaço com uma brutal leveza, evidenciando a complexidade formal tamanha alcançada pela especificidade do processo engendrado pela artista.
Já não sabemos – e tampouco nos importamos – se estamos situados em um jardim de plantas férteis e águas fortes ou, quem sabe, em um longínquo terreno de fósseis e vestígios. Estamos a vivenciar um outro insuspeito local, tão distante e talvez aqui tão perto, um território possível, enfim: o habitat natural da artista.