EDUARDO BERLINER: BEM DEBAIXO DOS MEUS OSSOS . CASA TRIÂNGULO, SÃO PAULO
Bem debaixo dos meus ossos
Tudo que desaparece
hematoma
púrpura quase preto com sua orla vermelha
terceiro dia, ocre manchado de azul
Um bloco de ferro esperando o musgo crescer
Redes de proteção para um esqueleto de concreto
Um pedaço de vermelho trancava o azul exposto ao tempo
Um sol manchado de outono
Mudando as estações em seu radinho
o som formigava em seus membros
Uma fotografia antiga fora de foco
retirada de um lugar longe daqui
onde?
Esperando de madrugada sem conseguir respirar
a medição do oxigênio em seu sangue
Aprendendo a linguagem dos sinais do corpo
Narinas abrindo e fechando
O ritmo acelerado da paisagem movediça em seu tórax
Juntando grãos de memória em sua caixa torácica
para desmantelar este pequeno castelo quando vemos o mar
Medo
medo do barulho do helicóptero
medo dos grunhidos do aspirador
medo das máquinas em sua fábrica
o barulho de suas unhas no chão de taco
Um céu cinza chumbo emoldurado por um branco agressivo
olhando daqui a luz do sol encobre seu sorriso sobre o papel fotográfico
distante uma criança testa sua voz
ao longe
longe chega perto
não tão perto
Meus olhos logo irão afundar
afundando
inundação
o mesmo céu
cinza chumbo
A vegetação esconde o rio
derrubando abacates com pedradas
o corpo devorado
capim pelo de urso
uma fruta coberta de formigas
a palavra debaixo da pedra
o cheiro podre
onde está a carcaça?
Eduardo Berliner, 2023